terça-feira, 26 de abril de 2011

Comunidade do Cassiporém reclama de abandono


Faltando praticamente 17 meses para as próximas eleições a prefeito e vereador, os prováveis candidatos começaram a achar o rumo da localidade, visando angariar os 270 votos que lá existem


Já é do conhecimento da população amapaense que os habitantes de Vila velha do Cassiporé, distrito de Oiapoque, localizado no parque Nacional do Cabo Orange, está relegado ao abandono nos três últimos anos. Faltando praticamente 17 meses para as próximas eleições a prefeito e vereador, os prováveis candidatos começaram a achar o rumo da localidade, visando angariar os 270 votos que lá existem, o que pode decidir qualquer eleição no município. Para se chegar lá, na Vila, o trajeto é pela BR 156 até a ponte do Rio Cassiporé, que divide os municípios de Oiapoque e Calçoene. De lá, umas quatro horas de voadeira que nessa época de rio cheio, não precisa “pular” nenhuma cachoeira. Via Oceano Atlântico são mais de 50 horas de barco, montando a “Ponta da Camboa” como os caboclos chamam o Cabo Cassiporé. No verão é recomendável deixar passar a pororoca e seguir viagem “atrás dela”. Já fiz estas viagens, inclusive por via aérea.

Ameaça
Relegada ao esquecimento, os habitantes da Vila – estão mais para sobreviventes – que só conhecem a presença de médico e remédios uma vez por ano (fora do período eleitoral e por doações do Centro de Promoção Humana Frei Daniel de Samarate - Capuchinhos), cansados dos descasos das autoridades públicas, resolveram radicalizar e ameaçaram interditar a ponte sobre o Rio Cassiporé, impedir a entrada de autoridades na Vila e denunciar a nível nacional a situação crítica por que estavam passando, caso não fossem atendidos nos seus pleitos. Tudo isso devido a dois óbitos ocorridos na localidade, cujas as suspeitas remetiam a febre tifóide. Apavorados, o prefeito Agnaldo Rocha (PP) e a presidente da Câmara Maria Holanda (PDT), resolveram “se mexer”. Enviaram uma equipe até a Vila, semana passada, composta de 17 pessoas entre elas, um médico, odontólogo (o também vereador Luís Amanajás), enfermeiras, técnicos de laboratório, vacinadores e até um veterinário.

“Reféns”
Ao desembarcarem no trapiche da Vila, foram recebidos com a costumeira cortesia dos caboclos da Amazônia, mas logo depois veio a determinação: “vocês só sairão daqui depois que resolverem os principais problemas nossos e queremos as presenças do prefeito e dos vereadores para termos uma conversa olho no olho”. Então a equipe arregaçou as mangas e foi literalmente ao trabalho. Das 14 às 18h00 o médico realizou 70 consultas e dispensação de medicamentos. Foram realizadas 68 extrações de dentes o que ajudou a debelar diversas infecções orais mas também contribuiu para a população ficar mais banguela e ainda mais dependente de dentaduras para as próximas eleições. Dezenas de lâminas foram colhidas mas nenhuma confirmou malária – não é tempo dela devido as fortes chuvas. Ficaram hospedados na escola municipal que está caindo aos pedaços.

Picadas
A equipe do mutirão da saúde permaneceu por sete dias na localidade. Como as vacinas humanas e de outros animais estavam todas atrasadas , teve uma criança que levou sete picadas em um só dia, para ter sua carteira validada, um sofrimento necessário mas tão intenso como a irresponsabilidade dos administradores públicos de Oiapoque, pagos religiosamente com os impostos dos contribuintes, um deles, com certeza, da família deste menor. Chega a ser crueldade fazer isso com uma criança. Será que um prefeito ou vereador agüentaria sete picadas de penicilina benzatina, 2,4 milhões de unidades no bumbum no mesmo dia? Só experimentando! E para completar, dois cães foram sacrificados pelo veterinário por apresentarem tosse crônica e centenas foram vacinados.

Esquecimento
É comum o político esquecer rapidamente o que prometeu. Essa amnésia perdura até o próximo pleito, quando elas são renovadas. Pior. E o eleitor continua acreditando no promesseiro, até o dia que se cansa, como aconteceu com os habitantes da Vila. Finalmente o prefeito Agnaldo Rocha e a vereadora Maria Holanda (sempre a mais votada) acharam o caminho e foram visitar a Vila, depois que os “ânimos” estavam apaziguados. Um contribuinte deixou os políticos na defensiva, logo no início da conversa, perguntando a Rocha se ele lembrava das promessas feitas ao povo durante sua campanha eleitoral. Sem graça e com um sorriso amarelado de “maleita”, respondeu que não, mas que iria ver em sua agenda que havia ficado em Oiapoque. Então, resolveram lembrar ao alcaide.

Promessas
Lutar pela construção do ramal de 36 km ligando a BR 156 a Vila; Reforma do Posto de Saúde; Reforma da escola municipal com a construção de duas salas de aula em alvenaria; Um caminhão a disposição da comunidade que ficaria na ponte aguardando o escoamento da produção; Um motor de popa com combustível suficiente para transportar doentes pelo rio até a ponte; Uma roçadeira com o devido combustível; Construção de um trapiche; não deixar faltar óleo diesel para o funcionamento do gerador de luz; reforma do sistema de água da Vila que está há cinco anos inativo; Manutenção da pista de pouso; Atendimento médico-odontológico e veterinário mensal e reforma do Centro Comunitário. Nenhuma delas foi cumprida até hoje.

Homens
A situação da Vila só não é mais crítica porque lá existem homens e mulheres de verdade. Eles trabalham de sol a sol, nas roças, plantando para subsistência e o excedente para venda. Fazem coleta para comprar diesel para poderem ter as festividades de fim de ano com luz. Alimentam suas famílias com o que conseguem na pesca e caça alem da comercialização de cacau em barra e tem um sonho que ainda não foi realizado: a construção de uma ramal de apenas 36 km, o que lhes tiraria do perverso isolamento. São brasileiros que estão lá desde 1560, tomando conta daquele pedaço de Brasil. Que pelo menos os homens públicos (ir)responsáveis se mirem na coragem e determinação daquela população. Eu sou testemunha de tudo isso há mais de 30 anos.
Por José Arcangelo

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